“A música é a retomada. Nada acontece sem cultura ou sem arte”
por Camilo Rocha
Música e cultura são centrais para a recuperação econômica das cidades à medida que as atividades são retomadas. Essa é a visão defendida por Shain Shapiro, fundador e presidente da Sound Diplomacy, consultoria econômica britânica especializada em dados do setor musical.
O problema é que, na visão de Shapiro, a maior parte das autoridades ainda têm dificuldades em enxergar a importância de se investir na área cultural ou musical. Mesmo quando o discurso é simpático à cultura, muitas vezes ele não vem acompanhado de ações.
Entre os diversos projetos realizados pela Sound Diplomacy estão a promoção da identidade nacional do Peru por meio de sua música, uma convenção de música e turismo em Liverpool, Reino Unido, e um estudo do impacto da indústria musical na região de Nova Orleans, nos EUA. A consultoria também é responsável pela conferência Music Cities, que realizará sua décima edição (e segunda virtual) nas cidades canadenses de Edmonton e Calgary, em setembro de 2021.
Em entrevista por chamada de vídeo ao site da Fervo Conference, Shapiro enfatiza a importância da vacinação para uma reabertura segura de eventos e locais. Também sublinhou que ações do poder público relacionadas à música precisam estar atentos à diversidade e à inclusão para que tenham efetividade real.
Como a pandemia afetou as atividades da sua empresa?
Como qualquer negócio pequeno, fomos muito afetados. Tivemos sorte que nossa sede fica no Reino Unido, onde havia estruturas de apoio a empreendimentos menores. Temos escritórios em outros países onde isso não aconteceu. O trabalho desacelerou um pouco no começo, mas como atendemos um nicho bem específico, quem quer trabalhar com isso acaba nos procurando. Nosso negócio é como uma sanfona, podemos abrir e fechar dependendo da quantidade de trabalho que temos, o que é diferente de uma casa de show que tem de ficar aberta ou uma banda que tem de se apresentar. Não foi fácil.
Quais são as principais discussões relacionadas à música e cidades no período pós-pandêmico?
São duas coisas principais. Resolver as questões mais imediatas relacionadas à reabertura, à segurança e à saúde e garantir que o aluguel ou prestação da casa própria das pessoas possa ser pago, que a comida esteja na mesa. Nesse aspecto, não há diferença em relação a qualquer outro negócio na área da hospitalidade. Essa reabertura varia de país para país, dependendo da seriedade da COVID-19.
Mais a longo prazo, temos três pontos-chave. A primeira é o clima, como responder à emergência climática, criando uma política pública para a música que incorpora as novas maneiras que temos que trabalhar. Depois, as práticas de negócios, tentando mudar a maneira como as cidades pensam sobre a música. Isso é importante porque se tivermos outra pandemia no ano que vem as coisas serão igualmente ruins. Seria muito bom ter um plano para o futuro, em vez de apenas reagir diante de uma crise. A música, incluindo a economia da noite e as baladas, não é respeitada enquanto negócio como são outros setores. Finalmente, tem os aspectos sociais: como políticas públicas para a música podem lidar com a desigualdade, de gênero, raça ou classe?
Você pode dar exemplos de como políticas públicas podem trabalhar nessa direção?
Em primeiro lugar, é importante que qualquer dinheiro gasto pelo governo com música seja feito contemplando a diversidade e a igualdade de gênero. Você cria um modelo em que é possível identificar como e com quem o dinheiro está sendo usado para ter certeza que o acesso é igualitário ou aberto a todos. Existem iniciativas em prol da segurança das mulheres como o Estatuto de Segurança à Noite da Mulher criado pelas autoridades de Londres. Trabalhamos duro em nossa estratégia musical para conectar diferentes tipos de ação e tentando descobrir maneiras com as quais podemos medir esse tipo de impacto.
Cidades ao redor do mundo vêm adotando estratégias distintas em relação à reabertura de espaços musicais, clubes e casas de show. Onde você vê isso sendo feito de maneira bem-sucedida? Exigir comprovante de vacinação é uma medida válida?
Em Berlim, a ClubCommission fez um evento-teste onde todo mundo precisava apresentar um resultado de PCR antes de entrar no clube e isso mostrou que a taxa de transmissão era muito, muito baixa. No Reino Unido, eventos-teste do governo também mostraram uma taxa de transmissão de covid muito baixa entre pessoas com testes negativos. Por outro lado, no mesmo país, alguns eventos resultaram em um número alto de transmissões. Então, temos experiências positivas, mas também muitos desafios.
Falando como indivíduo, não como Sound Diplomacy, eu sou pró-vacina, acredito na vacina. Para mim, a saída está na vacinação. Peguei covid depois de tomar duas doses. Mas a vacina te ajuda a não ir parar no hospital, a não ficar gravemente doente. Então, a vacina impede a covid o tanto quanto é possível. É por meio dela que vamos progredir. Quanto a exigir vacinação da clientela, acho que é uma decisão do estabelecimento e de seus proprietários. É uma decisão que eu apoio. Ou isso ou exigir teste negativo. Qual seria a outra maneira? Não há. As variantes estão aí, e outras piores podem vir. Estudos mostram que não há diferença de risco entre pessoas vacinadas irem a clubes ou shows e irem ao shopping center ou supermercado. Aqui, se trata do quanto vale a música. Alguns lugares não se importam com a cultura, com a indústria da música, e temos que trabalhar para mudar isso.
Qual pode ser o papel da música e da cultura na retomada econômica das cidades?
Para mim é tão intrínseco, a música é a retomada. Nada acontece sem cultura ou sem arte. Por exemplo, não se pode andar pela rua sem avistar uma placa. Essa placa é produto do design. O design é arte. Chega a ser ridículo que precisamos explicar isso. É importante que continuemos falando a língua que os governos usam, olhando para a música em termos de turismo ou empregos. Se trata de apresentar música e cultura como solução para problemas que eles têm, não sob a perspectiva dos problemas do setor. É a única maneira de avançar. E, mais importante, acredito que aqueles que são ativos e engajados na cena, tem que a) votar ou b) se candidatar. É a única maneira de tirar de lá as pessoas que não se importam. Precisamos de mais profissionais da cultura no governo.
A pandemia não tornou as autoridades mais sensíveis a esse papel?
Em alguns lugares, sim, mas na maior parte dos lugares, não. Tem sido um período interessante. No mês passado, o G20 reconheceu a cultura pela primeira vez e isso levou a uma declaração [Declaração de Roma dos Ministros de Cultura do G20]. Isso foi importante. Imagine que em 22 anos eles nunca tinham tido um encontro sobre cultura. Foi a primeira vez que os ministros da cultura se reuniram. O fato de que 2021 é o Ano Internacional da Economia Criativa para as Nações Unidas é importante. Há uma porção de eventos ligados à cultura e à economia criativa no âmbito da ONU acontecendo. Arte e cultura também são os temas da União Africana para 2021. Essas coisas estão muito além da economia criativa e da indústria musical. São legisladores e autoridades reunidos, gente que não está na pista de dança, por assim dizer. Mas é muito bom. Isso agora precisa ser transformado em ações, o que vai ser muito difícil, pois há muitos governos que exaltam a cultura, mas não investem.
Temos muito trabalho a fazer, mas sou otimista. Não há outra escolha. A cultura será parte da solução das mudanças climáticas, se sobrevivermos a elas. Arte, cultura e música terão um papel importante. Quando se trata de comunicar e expressar tudo isso, de modo a atingir as pessoas, é onde a cultura, a música entra. Também na indústria musical é onde iremos encontrar soluções como, por exemplo, na maneira como se realizam festivais, em como a energia renovável pode ser utilizada. São modelos que podem ser adotados por comunidades maiores ou organizações sustentáveis. E se artistas começam a falar sobre isso, seus fãs começam a falar sobre isso. A melhor coisa seria ter um BTS falando sobre ação em prol do clima. Eu acho que eles até são, mas imagine se fossem mais. O BTS tem uma audiência maior do que qualquer governo tem. Tirando a comida, a música é a coisa mais poderosa que temos.
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