Dubversão 20 anos: o sound system que semeou uma cultura
Yellow-P e Don Miguel revisitam momentos importantes da cena sound system e pensam como vai ser comemorar o aniversário do Dubversão em tempos pandêmicos
por Rafael Takano
O pioneiro sistema de som Dubversão faz 20 anos em dezembro de 2021. O que começou como uma festa de amigos com uma vitrola e caixas de som em uma viela da Pompéia, bairro da Zona Oeste de São Paulo, virou o primeiro Sound System do Brasil e semeou o nascimento de sound systems por toda a cidade e a criação de uma cena nacional.
Em outros tempos, os fundadores Yellow-P e Don Miguel estariam começando a divulgar a edição de aniversário da JAVA – festa produzida pelo sound system – e planejando as várias comemorações que tradicionalmente acontecem no ano seguinte. “A gente não quer fazer online, né? Não sei como vai ser”, lamenta Fabio Murakami, o DJ e produtor Yellow-P. Com a pandemia, as comemorações não estão no radar ainda, mas a FERVO celebra esse marco importante para a cena sound system com duas atividades do grupo no sábado 04/09, a partir das 13:00. Veja AQUI ou ative o lembrete no vídeo abaixo.
Ocupar: Cultura de festa e cultura de rua
Dubversão é o primeiro coletivo de São Paulo inspirado diretamente pela cultura sound system da Jamaica e Inglaterra, e abriu caminhos para uma cena que hoje está espalhada pelo país. Sound System, na teoria, é o nome dado às potentes caixas de som e equipamentos periféricos – como equalizadores, mesas e sirenes – mas na prática é uma cultura sobre “a música que tocamos e a mensagem do reggae em si”, explica Yellow-P. “Sound system não é só a aparelhagem, tem toda a crew que faz isso acontecer. Sem o pessoal que carrega, que ajuda na divulgação, que faz a logística, nada acontece”. Don Miguel, um dos fundadores do Dubversão, a festa dub e reggae tem uma característica peculiar que a difere: “o reggae é mais próximo de uma cultura popular eletrificada, mais próximo de um maracatu do que de um DJ, no sentido de que ele precisa de um coletivo pra acontecer, ele é de rua, de chão”.
Na história do Dubversão fica clara a relação entre os inferninhos e as festas na rua. De um bar na Pompéia para a residência semanal no centro de SP já em 2002 – com a festa Susi’n’Dub, “foi o que viabilizou levar o som para vários lugares da periferia e fazer os bailes”. Hoje esses bairros têm suas próprias aparelhagens, e Fábio só precisa levar seus discos quando é convidado para tocar. Miguel reforça que “o crescimento e consolidação de novos sound systems na cidade” é o mais memorável desses 20 anos, especialmente ao manter em sua identidade a “marginalidade, que garante uma autenticidade e uma força”.
Yellow P destaca momentos especiais da crew igualmente na rua e em casas. As primeiras Viradas Culturais e SP na Rua, “foram eventos bem massivos, bem impressionantes ali na frente do CCBB, e no Pateo do Colégio. Os eventos na Praça da Sé, como ocupação do espaço público mesmo, foram marcantes“, lembra o DJ. No quesito musical, as lembranças são das festas com apresentações de astros internacionais do dub e reggae: “tocar com U-Roy foi muito marcante, e mais recente, no aniversário de 15 anos, com Mad Professor e Aisha“.
Foi com a festa JAVA, – que acontecia na Hole Club, um grande porão na Rua Augusta, em meados de 2006 -, que Yellow-P percebeu uma mudança de perspectiva. “Bombava muito mesmo, outras crews começaram a vir, a gente começou a trazer artistas de fora do Brasil, fazer intercâmbio com pessoal da Inglaterra e da Jamaica”.
Botar as caixas na rua seguiu como parte do ethos do coletivo, mas o processo nunca foi simples. “Mesmo com autorização sofremos repressão, na frente do Centro Cultural Olido, em evento da Prefeitura, a polícia obrigou a desligar o som 2 horas antes do permitido”, lembra Fábio. Durante esses 20 anos a cena evoluiu e as autoridades acabaram acompanhando, “com o tempo, todas as crews passaram a pegar autorização, e as subprefeituras começaram a entender mais o sound system.”.
Pandemia, seus efeitos, e o que vem depois
O derradeiro evento do Dubversão foi a JAVA de março de 2020, desde então, Yellow-P fica “olhando pras caixas todo dia, pensando quando vou ligar.” Depois de uma movimentação inicial no YouTube, com participação de cantores e cantoras, Yellow-P entrou na onda do streaming pelo Twitch, “mais low-profile, pensando mais na qualidade sonora do que em uma super produção audiovisual”.
Antenado nos ‘gráficos pandêmicos’, ainda não consegue ver uma retomada das pistas. Ele analisa que “morrerem 800 pessoas por dia ainda é muito, a gente precisa ter consciência e responsabilidade social”.
Miguel também é categórico ao entender onde a festa está inserida nesse panorama: “a gente trabalha com aglomeração, e por enquanto aglomerar não faz sentido. Mesmo com o poder público falando que libera, a gente lê sobre o que está acontecendo no mundo e não parece responsável pensar em retorno”.
Fábio comenta que assistiu ao workshop do biomédico Lucas Zanandrez aqui na Fervo, onde uma das recomendações é dar preferência a locais abertos, arejados e durante o dia. “Tocar de dia é legal, vai família, amigos com os filhos… mas nada substitui o baile fechado, a vibração, galera se entregar; interação com as caixas, com o som”.
Ele diz que “vive um misto de ansiedade e apreensão” com o retorno à atividade, e o limiar entre legalidade e ilegalidade sendo uma das preocupações. Ele avalia que “se for entrar pelas vias legais e pegar um alvará, o custo é altíssimo”. Também questiona qual o tamanho que um evento precisa ter para conseguir arcar com as obrigações legais: “Quem tem cacife pra isso? Podia ter um alvará mais simples, sem custo até, para festas independentes. O rolê gera renda para uma pequena comunidade, não é um negócio como uma marca”.
E com tamanha incerteza para o futuro, não conseguem bater o martelo nos planos de comemoração do aniversário do Dubversão. “A gente sempre fez uma JAVA comemorativa no dia, e no ano seguinte trazia algum artista de fora. Agora estamos discutindo o que vai rolar, quando vai rolar”. No que depender de Yellow-P a comemoração terá âmbito nacional: “Vários sound systems do país todo me convidaram para tocar com eles, vários surgiram dessa nossa onda. 20 anos pode ser a hora de retribuir”.
Acompanhe ao vivo a programação do Dubversão 20 anos na FERVO – sábado 04/09 – 13:00