Rolê como negócio e serviço essencial pautam último dia da Fervo
Por Rafael Takano
Fervo TV: Seletores Caracol, Kaia e Prato do Dia
Três casas enviaram seus representantes para a rádio desse sábado ensolarado, dedicada aos entusiastas dos discos de vinil. Thiago Visconti do Caracol; do bar Kaia, a dupla Younes e Bruno; e do Prato do Dia, o DJ Julião Pimenta foram os responsáveis pelos sets cheios de grooves que sonorizaram essa manhã.
Fervo TV: Especial Dubversão 20 anos
Celebração em duas partes do importante marco dos 20 anos de Dubversão Sound System, o especial começou com uma entrevista descontraída entre um dos fundadores do sound system, Fabio Murakami, mais conhecido como Yellow-P, e Camilo Fyahman. No papo, Yellow-P fala sobre a situação atual da cena reggae e dub, e como o lado espiritual do reggae influenciou sua vida.
Na segunda parte do especial, a QG Imperial, banda de suporte que acompanha artistas nacionais e internacionais, fez um show que foi mixado ao vivo por Yellow-P, produzindo a sonoridade característica do dub.
Mesa: O fervo que queremos
A conversa aqui foi igualmente holística e combativa. Participantes tiveram que colocar em prática a ‘futurologia pandêmica’ que todos estamos treinando nos últimos meses, e imaginar soluções para novos e antigos problemas que enfrentam os rolês da cidade.
Com perspectivas distintas, recebemos o proprietário de casas de cultura e entretenimento Paulo Papaleo (Mundo Pensante), as produtoras Renata Corr (Desculpa Qualquer Coisa), Carmen Mawu Lima (Coletividade MARSHA!), o produtor Flip Couto (Coletivo AMEM) e a produtora e artista Laura Diaz (Mamba Negra/ Teto Preto).
“É um momento oportuno de repensar a estrutura da cena”, comentou Carmen Mawu Lima. Todos concordaram que a retomada, quando acontecer, precisa trazer novas perspectivas. Desde a forma com que o lucro é dividido entre os trabalhadores e agentes da noite, as formas de conseguir apoio do poder público, até o horário dos eventos.
Paulo Papaleo acredita que existe uma forma diferente de se consumir cultura durante o dia que não conseguimos fazer nas madrugadas, e Flip Couto sente que há urgência em levar os corpos trans, negros, gays, etc para a luz do dia, que não fiquem reclusos na obscuridade da noite e do underground. O discurso se alinha também com algumas colocações que vimos no workshop sobre boas-práticas em casas de eventos, como lembrou a mediadora Mari Boaventura (Pantera Cartel).
Laura Diaz ressalta a importância do senso de comunidade que existe em algumas cenas do underground e de uma necessária rede de apoio. “Quando voltar tudo, a gente precisa lembrar quem continuou do nosso lado”. Carmen Mawu chamou a atenção para a capacitação das pessoas que circundam o rolê. “Antes de pensar em voltar a fazer festa, pensar em como pegar esses aprendizados do período e cuidar da base”, lembrando que o Fervo acaba sendo o único recurso de trabalho para alguns grupos.
Mais uma vez, o entendimento do grupo é de que não se pode confiar na determinação do poder público para definir o momento certo da retomada. Flip Couto começou a fazer seus próprios eventos-teste como encontros nos aparelhos públicos como as Casas de Cultura, que já estão funcionando e são a céu aberto. Com uma abordagem de ‘diminuir essa megalomania’ de querer sempre mais, Couto faz a sugestão de “pulverizar com um fervinho aqui, outro ali”.
Mesa: Virei uma empresa, e agora?
Nessa mesa com jeitão de workshop, figuras que estão à frente de rolês de sucesso na cidade – festa, bares, artistas – compartilharam suas experiências na formalização do fervo.
Além dos ‘causos’, contaram quando foi que perceberam a necessidade de abrir uma empresa e ostentar o CNPJ, e quais obstáculos encontraram até regularizar tudo. “Aperta a tecla SAP do contador, a gente não entende o que significa esses nomes e siglas”, brincou Caio Taborda da GopTun.
Adianto aqui para vocês que parece um bicho de 7 cabeças, mas pode te ajudar no futuro. “Não tenha medo, você só tem a ganhar”, recomenda Millos Kaiser do Caracol Bar. Dani Rodrigues – da Foco na Missão, empresa do rapper Rashid – complementa: “depois que você se organiza, tudo flui melhor. Passa a ter acesso a oportunidades melhores, a lugares melhores”.
Dani também sugere que ninguém se desespere quando pintar uma dúvida. “Não tenha medo de perguntar pros outros. Às vezes aparece uma exigência nova e eu ligo pra algum colega para entender o contrato”, conta ela. Sinara Gotardo, do Grupo Vegas e da festa Batekoo, diz que uma dessas pessoas para tirar dúvidas é o próprio contador. “Contador não quer só pegar o boleto pra pagar, a gente quer entender o que acontece na produção, na casa de show”.
Esteja preparade, então, para ligar pro contador e abrir sua empresa com a tranquilidade de que profissionalizar vai ser bom para o seu Fervo.
Mesa: Fervo é negócio
Até tirei a interrogação que tinha originalmente no nome dessa mesa. Ficou claro que o fervo é negócio, sim, ainda que não seja reconhecido pelos órgãos públicos (e muitas vezes pelos próprios trabalhadores da noite). E como negócio foi muito impactado pela paralização exigida pelo momento de pandemia.
Apesar da Lei Aldir Blanc e alguns editais – que todo mundo da mesa se inscreveu, com maior ou menor sucesso – o poder público não atendeu a noite e a cultura com a urgência necessária. Mafalda Ramos, produtora da Batekoo e da Mamba Negra, comentou que “esse discurso de que ‘o que a gente faz não é essencial’ foi muito difícil”. A moderadora Flávia Durante, produtora da feira Pop Plus, lembra que só recentemente a Economia Criativa foi reconhecida pauta governamental, e que 2021 foi inclusive declarado pela Unesco como Ano Internacional da Economia Criativa para o Desenvolvimento Sustentável.
Mauricio Soares, do espaço ARCA, ressaltou que um dos caminhos é justamente a formalização da noite, para que esse mercado seja mais “auditável”. “A gente precisa provar que não é supérfluo, que é sim essencial”, comentou Soares.
Fazer frente ao poder público foi um dos temas abordados também por Cacá Ribeiro, do Club Jerome e da Lions. “Uma das coisas que essa pandemia trouxe foi a união dos empresários em associações para poder reivindicar”, e lembra que “a noite é bastante política”, mesmo que não seja sempre pelos meios oficiais.
Os participantes lembram que para trabalhar da noite é necessário trabalhar de dia, em horário comercial. “Quer trabalhar com noite? Vai aprender a usar planilha, é fundamental”, crava Mafalda.
Mesa: Explicando a cena
Nessa conversa entre produtores de fervos pelo Brasil e pela internet, tentamos entender a importância da cena e o que ela representa para os frequentadores, clientes, e demais participantes desse ecossistema.
DJ e produtor, Gabriel Bernardo começou a pesquisa do Cultura de Pista durante a pandemia, justamente para entender as relações e dinâmicas desses cenários. Uno Vulpo da Festa Senta, também começou seu projeto durante o período de isolamento, formando uma “nova” cena que ainda não sabe como vai se materializar no mundo real.
O impacto da cena vai além de uma festa, ou estilo musical, como atesta Gabriel Brugnara, da iniciativa Salva Rave, que arrecadou recursos para os trabalhadores da noite que foram mais afetados pela pandemia. Depois de conhecer uma cena fora de sua cidade ficou tão fascinado que sentiu o chamado para fazer parte dela. Ele define a cena como “essa construção da comunidade, mas também da nossa construção como pessoas”.
Pensando no futuro do rolê, Kika Lopes, do selo Goma Rec e coletivo Arruaça, quer furar as bolhas de dentro da cena, transformando-a em um organismo mais amplo. Espera que possam produzir com outras perspectivas, mas ainda com bastante cautela. “Precisa pensar na didática com o público, comunicar com a galera para ser coerente com esse contexto que a gente tá vivendo”.
Show: Badsista
Encerrando as atividades da Fervo Conference – ao menos dessa edição – BADSISTA apresentou sua mistura de house e techno com o batidão do funk, e provou que a fritação é real e possível mesmo em um streaming, deixando na boca aquele gostinho de rolê, de pista, de baile, de fervo.
Assista abaixo todas as atividades do sábado 04/09 – quinto e último dia da FERVO.