Facundo Guerra: “Espaços musicais hoje são espaços de cura”

Por Camilo Rocha

Mesmo entre quem tem um conhecimento superficial da noite de São Paulo, o nome de Facundo Guerra é facilmente reconhecível. Desde meados dos 2000, o empresário nascido na Argentina esteve à frente de diversos locais que se destacaram entre as pistas e balcões da cidade, incluindo Vegas, Pan Am e Mirante 9 de Julho.

Mantendo sua marca de reinventar espaços históricos da cidade, ele atualmente toca o Bar dos Arcos, no Theatro Municipal, o Blue Note, no Conjunto Nacional, e o Cine Joia, em um antigo cinema da Liberdade, entre outros empreendimentos.

Por WhatsApp, a Fervo Conference conversou com o empresário sobre assuntos como impacto da pandemia, possibilidades de retomada e o novo papel que devem ganhar os espaços de eventos. 

De que maneira a pandemia afetou seus negócios e atividades profissionais? Como você se adaptou?

A pandemia afetou completamente meus negócios. Eu não tinha outras atividades, então foi um mini apocalipse. Me adaptei virando um criador de conteúdo. Acabei escrevendo outro livro, fiz live, criei um curso para ensinar as pessoas a empreender, antevendo que as pessoas iam perder seus empregos. E montei um negócio de casas flutuantes chamado Altar, que se provou auspicioso pois abrimos em janeiro de 2020 e a pandemia chegou em março. Esse negócio se expandiu bastante, já estamos na sexta casa. São casinhas flutuantes que te permitem ficar completamente apartado da humanidade. 

Como você vê o processo de retomada dos eventos com público na cidade de São Paulo? 

Vejo a retomada com muita cautela porque ainda temos muita gente morrendo de covid. Apesar de termos praticamente 30% da população vacinada, a gente tem a variante Delta comendo solta, estamos vendo repiques na gringa, e a gente tá falando de Carnaval e lamber corrimão da estação do metrô. Deveríamos ter cautela ainda que isso me fira. Mas eu tenho medo de ser muito otimista, de termos uma abertura repentina, pouco científica, e depois a gente pagar o preço dessa falta de cautela.

Que tipo de protocolos você pretende adotar em seus espaços na reabertura?

Meus protocolos serão aqueles que a prefeitura e a Vigilância Sanitária pedem. Não posso ser mais realista que o rei. Tenho de seguir o que a ciência determina e que é relativamente seguro já que as pessoas ficarem em casa a essa altura do campeonato representa um risco à sua saúde mental. Então, pra bares e restaurantes eu sigo a Prefeitura. Pras casas de show a volta ainda não foi autorizada. 

Você acha que deve ser exigido comprovante de vacinação do público?

Nos bares e restaurantes não vou pedir o comprovante de vacinação, mas vou pedir nos lugares de reunião. Os bares e restaurantes ainda têm protocolos sanitários muito mais rígidos, porque estamos passando álcool gel em tudo sempre, ele está disponível, as pessoas tem um certo distanciamento, mas em espaços de reunião vou exigir pelo menos a primeira dose. Disso não vou abrir mão. 

Negócios e estabelecimentos vão precisar de ajuda do poder público para se reerguer? 

Acho que precisariam sim da ajuda do poder público, mas isso não vai acontecer. Ajuda pras casas de show, tirando um ou outro ProAC ou iniciativa da secretaria do município, não teve nenhum tipo de arrego. Então, eu já não tenho mais nenhuma esperança quanto ao poder público, principalmente federal. Cultura nunca foi uma prioridade para ele. 

Muitos defendem que a área cultural e de eventos é importante na retomada econômica de São Paulo. Como vê o papel desse setor?

A área cultural e de eventos é o estopim de muitas outras áreas importantes pra retomada econômica de São Paulo. A retomada da atividade cultural significa a retomada do turismo, a retomada do setor imobiliário. São Paulo é uma cidade voltada pra dentro, não pra fora. A gente viu na pandemia. São Paulo se tornou uma das cidades mais tristes do mundo. O que você faz aqui no meio da pandemia? As pessoas privilegiadas fugiram daqui, foram pra praia, pra montanha. Quem ficou aqui ficou numa cidade que não fazia o menor sentido durante a pandemia. Não era mais São Paulo, mas um fantasma. A área cultural e de eventos é a força motriz dessa cidade.

A pandemia mudou o modo como você enxerga o que faz? De que maneiras?

Mudou muito. Acho que antes da pandemia a gente vivia um tempo de muita espuma. Antes tinha muita coisa acontecendo, mas pouca realmente de qualidade e consistência. O que me preocupa agora é entregar cada vez mais experiência, procurar aumentar ainda mais o custo benefício, por parte do cliente. E saber também que estamos lidando com pessoas que estão machucadas. 

Então, bar, restaurante, casa de show, espaço de eventos, hoje em dia, não são mais entretenimento apenas, são espaços de cura também. Porque as pessoas ficaram muito machucadas com a pandemia. Eu não enxergo mais meus espaços ou a noite de São Paulo como escapismo, que é como eu enxergava antes, ou espaços pra diferenciação social, de tirar uma foto e dizer pra sua rede que você é melhor porque está lá. Hoje, eu enxergo também como espaços de cura. Porque as pessoas se machucaram muito durante a pandemia, especialmente do ponto de vista psicológico.

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